Breve apontamento
sobre a História da Fortaleza de Peniche
Adolfo Silveira
Martins
Conferência na
Câmara Municipal de Peniche
Mais uma
vez, foi com agrado que aceitei o convite da Câmara
Municipal, através da sua Vereadora do Pelouro da
Cultura, Dr.ª Margarida Taveira, para relembrar algumas
memórias sobre esta magnífica região.
Coube
hoje fazer um breve historial comemorativo dos 350 anos
desta fortaleza.
Limitar-me-ei a ser breve, referindo uma nota histórica
que tive o prazer de elaborar sobre esta temática.
Forte,
fortaleza, praça e cidadela de Peniche são algumas das
denominações por que é conhecido este imponente
monumento do património militar edificado.
A sua
gesta, que remonta a meados do século XVI, relata-nos
trechos dos muitos episódios que em difíceis momentos
construíram a nossa História.
A
importância geo-estratégica e comercial marítima da
região de Peniche e Atouguia levaram D. Manuel a
promover a construção de uma edificação de carácter
militar. Tinha por fim proteger as populações das
incursões corsárias que frequentemente assolavam aquelas
paragens. Esta necessidade de defesa ficou bem patente
numa carta que D. Afonso de Ataíde, senhor da Atouguia,
enviou a D. João III, em resposta às preocupações do
monarca quanto a todas as questões relativas à
construção de uma fortaleza em Peniche. Afonso de
Ataíde, numa exaustiva explanação, esclareceu a
necessidade de defesas lembrando que "(...) se nom tiver
defemsão, podem desembarcar cem mil combatentes em
terra, e podem-se fazer fortes naquella ilha (...)".
Custariam as obras de fortificação, por orçamento bem
descriminado do mestre Luís Fernandes, a quantia de um
conto e oitocentos e setenta mil e oitocentos reis, em
que se incluía o Castello por 1.414$800 reis.
Foi
todavia apenas no final deste reinado, em 1557, já
criado o Terço de Peniche, que se deu início às obras,
construindo-se uma torre que viria a ser acabada no ano
seguinte, já governando D. Sebastião. Comprova a
efeméride uma lápide existente no chamado Redondo.
As obras
então iniciadas por D. Luís de Ataíde sofreram várias
interrupções, nomeadamente por alguns anos entre 1568 e
1577, período em que o conde de Atouguia assumiria por
duas vezes o cargo de vice-rei da Índia.
Comenta
em 1802 o tenente coronel do Real Corpo dos Engenheiros,
Eusébio de Azevedo, numa memória militar sobre a Praça
de Peniche, que "(...) a primeira fortaleza considerável
desta praça, consistia em hum antigo Castelo, edificado
onde hoje he a cidadela, em que ainda existe huma torre
circular que ali mandara construir o Senhor Rei D.
Sebastião. Tambem se conservão alguns vestígios de huma
muralha que cercava a Villa da parte do histhmo, que
mostrão não ter sido de grande extenção e fossa."
1589 foi
o ano em que, no dia 26 de Maio, Peniche assistiu ao
desembarque de 12 mil ingleses, homens de armas
comandados pelo general John Noris que entravam no país,
em auxílio das tropas de D. António Prior do Crato. A
guarnição da fortaleza, então comandada por D. Pedro de
Gusmão, pouco beligerou, no entanto este episódio esteve
provavelmente na origem da resolução de Filipe I de
enviar àquela praça, ainda naquele ano, o arquitecto
Filippo Terzi, com o fim de projectar a reconstrução da
fortaleza, num modelo que a tornasse inexpugnável. Ainda
neste ano teria sido atacada por Francis Drake, sob
pretexto de apoio ao candidato à monarquia.
Filipe
II, em 1605, ordena que o engenheiro Leonardo Turriano
se desloque a Peniche para fazer a traça da fortaleza.
Todavia ainda não temos certezas se foram concretizadas
quaisquer obras de remodelação neste período. Sabemos
porém que durante a Restauração se reiniciaram as
construções no âmbito da política de defesa do país
preconizada por D. João IV.
Este
monarca mandou que D. Jerónimo de Ataíde, então conde de
Atouguia, dirigisse a empresa de tornar o reduto de
Peniche numa fortaleza capaz de defender a região de
qualquer invasão inimiga vinda por mar. Para isso foram
enviados, no princípio do ano de 1641, o padre
engenheiro Simão Falónio, da Companhia de Jesus, e o
sargento mor Belchior Lopes de Carvalho. Em 1645 foram
finalmente concluídas as obras de remodelação da
fortaleza, agora em planta estrelada. Em 1650, segundo
traça do arquitecto Nicolau de Langres, deu-se início à
construção, ao longo do istmo, de uma linha de muralhas,
protegidas por um fosso, obra continuada em 1665 por
Simão Mateus e Mateus do Couto.
Eusébio
de Azevedo, anteriormente referido, descreve que " O
recinto da Praça que he abaluartado, e faz frente ao
histmo, foi muito bem delineado; porque forma huma linha
poligona que oferece a concavidade à Campanha, qualidade
esta muito vantajoza e rarissima em huma Praça de
Guerra, em razão de serem convergentes todos os tiros
que della partirem. Daqui provem não haver lugar algum
no terreno por onde o inimigo deve conduzir os aproches,
que não seja batido com fogos cruzados por todos as
faces e cortinas dos baluartes, que faz a construção das
trincheiras e baterias impraticavel, pois virão a ser
foco de todo o fogo da Praça."
Na
primeira metade do século XVIII concluíram-se os
baluartes do enfiamento de fortificação do istmo,
acabando o terramoto de 1755 por destruir parcialmente a
cortina defensiva do lado Norte.
Em 1747
diz-nos Baptista de Castro que a Praça de Peniche,
guarnecida com um regimento de infantaria, era a mais
forte do reino, "(...) porque pela parte, com que prende
à terra firme, se lhe communica o mar, e os baluartes,
com que se defende, estão em huma linha curva, que
offerece para a campanha a parte concava, de sorte que
qualquer ponto do terreno, por onde póde ser atacada, he
descuberto de trez, ou quatro baluartes, e como he areal
movediço, não se podem facilmente cubrir, sem que a
fachina lhe venha de muito longe, e a maré basta para
arruinar as trincheiras".
Ainda no
século XVIII, em 1759, o Marquês de Pombal ordena que na
fortaleza fossem picadas as armas dos condes de Atouguia
que como vimos foram, ao longo do tempo, os percursores
e continuadores da construção da Praça. A atitude do
ministro de D. José era justificada pela acusação
indiciada ao conde na implicação no atentado sofrido
pelo monarca.
A 5 de
Dezembro de 1807 o Barão de Thomiers, general de Junot,
tomou a praça de armas de Peniche, mandando construir ao
longo do Carreiro do Cabo e no Porto da Areia do Sul
baterias para fogo de fuzil, todavia não foram
suficientes para impedir que, em 1808, o marechal
Beresford retomasse a praça aos Franceses. Também
Beresford, em 1810, mandou reconstruir alguns panos da
muralha e construir uma contra escarpa entre os
baluartes da Ponte e da Misericórdia.
Entre os
anos de 1830 e 1862 foram feitos vários melhoramentos,
nomeadamente a construção de um forte no Portinho da
Areia de Cima, a ampliação do forte de Cabanas e o
entrincheiramento da linha de São Miguel.
Não
poderia a cidadela ficar alheia aos acontecimentos
militares que provocaram a disputa entre absolutistas e
liberais. Em 24 de Julho de 1883, chegadas das
Berlengas, as tropas de D. Pedro, comandadas pelo
coronel Joaquim Pereira Marinho, tomaram a praça de
Peniche, até então entregue ao marechal de D. Miguel,
António Teles de Castro.
O destino
militar da fortaleza não ultrapassou o início do século
XX, tendo sido desclassificada como fortificação nos
finais do século. Continuou todavia a ser comandada por
um governador até ao ano de 1913.
Durante o
século XIX verificou-se alguma propensão para que a
fortaleza viesse a abrigar alguns reclusos, tanto no
período das guerras liberais como anteriormente com as
ocupações francesa e inglesa. Prolongou-se o fadário
durante o nosso século, na I Guerra Mundial e,
finalmente, entre 1930 até 1974, como prisão política.
Ainda no início do século XX, serviu de abrigo a
centenas de refugiados bóeres que fugiam à subjugação
inglesa na África do Sul e em 1928 foi cedida para
sanatório de tuberculosos.
A
fortaleza de Peniche, que sofreu como vimos, ao longo da
sua história, vários momentos de construção e
reconstrução, foi classificada como pertencente ao
Maneirismo, certamente pelo estilo do maior número de
construções que a compõem e pela generalidade do seu
aspecto.
Tem
planta estrelada irregular de baluartes poligonais,
panos de muralha entre baluartes e está defendida da
plataforma terrestre por um fosso circundante e revelim
triangular.
Mariano
Calado dá-nos uma descrição pormenorizada da fortaleza,
quando diz possuir "(...) toda a imponência de uma das
principais praças de guerra do País (..)". Entre as
numerosas estruturas referidas na descrição pelo autor,
salientamos "(...) a cortina da Porta, as Baterias da
casa Forte, do Jogo da Bola, do Redondo, da Furna, do
Alto da Vela e o Baluarte do cavaleiro; o Baluarte do
Ilhéu; o Forte das cabanas; o Forte de Santo António
(...); o Baluarte da Misericórdia; a cortina do Morraçal
de Peniche de Baixo; o Baluarte da Ponte; a cortina da
Calçada; o Baluarte da Calçada; a cortina do Morraçal de
Peniche de Cima (...)".
Extracto
documental da Memória Militar sobre a Praça de
Peniche de Eusébio Dias de Azevedo, in Arquivo
Histórico Militar.
"Esta
Praça também possui a considerável vantagem de não ter
padrasto que a domine à excepção de um medo de areia
movediça que os ventos continuamente vão aproximando ao
mar, e que vai notado na carta com a letra Y; no
qual dificultosamente se poderia formar uma bateria de
alguma duração, e que por ficar na distância de 800
braças da Praça não podem dali partir mais que tiros
inertes e perdidos".
"Pela
parte do mar, é esta Península inabordável por ser toda
cercada de altos rochedos onde as ondas rebentam
furiosamente e apenas há duas pequenas quebradas da
rocha chamadas os Portinhos da Areia onde se poderia
desembarcar ainda que com grande risco e em muito
pequena frente e a cuja operação facilmente se poderia
obstar por meio de alguns redutos e baterias que vão
notados na carta. Como o interior é cultivado e cortado
pelos muros das vinhas, isto faz que ele seja um terreno
muito disputável e que ainda quando por efeito de falta
de vigilância ali se houvesse introduzido alguma tropa
inimiga não haveria grande dificuldade em ser derrotada
e fazer-lhe pôr as armas em terra.
Finalmente não faltam a esta fortíssima posição algumas
qualidades económicas muito atendíveis que combinadas
com as militares, contribuem para aumentar o seu grau de
força. Esta Península produz dentro do deu recinto mais
de cem móios de pão e mil pipas de vinho: tem água para
os seus habitantes, e um grande espaço para as famílias
se acamparem na ocasião do sítio, longe dos efeitos da
artilharia o que não pode deixar de contribuir a uma
longa resistência; visto que muitas vezes os clamores do
povo, ou os seus discursos sediciosos constrangem um
governador a render-se, ainda quando não tem exauridos
todos os meios de defesa."
A
informação recolhida para a elaboração deste breve
apontamento provém sobretudo das obras de Jorge Larcher.
Castelos de Portugal, 1933; João de Almeida.
Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses, 1946;
Gustavo de Matos Sequeira. Inventário Artístico de
Portugal, 1955; Mariano Calado. Peniche na
História e na Lenda, 1991; Carlos Calixto. A
Praça de Guerra de Peniche, D.N., 1988, e de
documentos coevos pertencentes ao espólio do Arquivo
Histórico Militar.